segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Magrão.



No futebol, poucos são os nomes de contratados que são unanimidade. No Sport, isso é ainda mais típico. A desconfiança natural da torcida existe, veja bem. Entretanto, é a própria política de contratações da diretoria que se repete: apostas do sul, interior de São Paulo, e uma promessa da base do inter. Não fujamos aqui. O tema é Alessandro Beti Rosa, o Magrão. 

Naquele ano, 2005, Magrão chegava por indicação de Zé Teodoro (e vejam só como o destino nos prega peças). Assumiu a titularidade e a perdeu pra Maizena, logo depois. Maizena tinha certa moral com a torcida, se bem me lembro do tempo que ainda não era um seguidor de futebol. Pouca coisa deu certo para o Sport naquele ano, ao contrário do que deveria ser, pelo o que representava. Enfim, esses primeiros anos não foram fáceis: em 2006 voltava para a titularidade, e foi execrado pela torcida. Não sem motivos, é bom que se diga. Gustavo assumira a meta, e também não convenceu. 

O Sport sobre para a primeira divisão. 

A diretoria contrata o bonde o Santa Cruz de 2005/2006: Rosembrik, Osmar, Carlinhos Bala e Cléber, goleiro que chega com a moral de já ser titular. Novamente, decepção. Magrão inicia como titular só para depois perder a vaga para Cleber. A esperança de um goleiro que tinha dado certo no rival e que teria que dar certo aqui também. "Teria", aqui, é quase uma obrigação.  

A esperança, que a essa altura já flertava com o desespero, da torcida vira frustração e o ódio típico do torcedor do futebol. Cléber faria um feito inédito: levou dos gols olímpicos seguidos. Com a insustentabilidade dessa situação, magrão assume o gol novamente em 2007, num rodízio que a torcida desconfiava na mesma medida em que a inércia por mudança brusca reinava. 

Aí, pode-se dizer, inicia-se a virada. 



O que pode ser (como, de certo modo, foi) a danação de qualquer goleiro, foi a ascensão de Magrão. A lenda nasce da contradição. Isso por que, depois de duas ou três rodadas, não lembro ao certo, o mito Romário carregava a responsabilidade de fazer o milésimo gol. E nesse jogo, contra o Sport, o fez. De pênalti (cometido, se bem me lembro, pelo mito Du Lopes) , tal como Pelé o fez. Magrão ficou carimbado por esse gol, apesar de demonstrar não se importar com o fardo que iria, involuntariamente, carregar. Iria. Ao que parece, a imagem de Magrão foi, ao longo do tempo, dissociada desse evento e associada à virada mítica.

Magrão, tal como nós conhecemos, nasceria das cinzas. Emergiria do fundo do poço. Ou qualquer outra metáfora que você preferir. 

A partir daquela defesa, a produtividade cresce, junto com o volume de defesas impossíveis. Em 2007, foi um dos grandes nomes do Sport, num time que, no começo da competição, perdeu o treinador que montara um time competitivo, os dois meias titulares (Vitor Junior e Fumagalli), e a confiança. Magrão ajudaria àquele Sport a se livrar do rebaixamento, ao mesmo tempo que ganhava novo fôlego na ilha do retiro.  

No final daquele mesmo ano, outra lenda desembarcava na ilha do retiro, sob desconfiança inevitável da torcida. Nelsinho Batista assumiu a equipe, com o peso de um rebaixamento pelo Corinthians do qual não teve culpa. Com ele, chega Rojas, o ex-goleiro picareta que, no brasil, fingiu ser atingido por um sinalizador jogado pela torcida brasileira. E ele tornaria Magrão o mito que conhecemos. 

O ano de 2008 começou estranho: Romerito fazendo gol de todo jeito, Jefferson Madeira e Reginaldo no ataque e fazendo gol.

Prenúncio de que algo grande estava por vir. Entrando numa competição que, apesar de já ter chegado em final e semifinais, nunca venceu, o Sport conquista o Brasil. E aí que Magrão entrou definitivamente no panteão do ídolos o Sport. Defesas que eram impossíveis, até que ele as realizasse. Reflexo de um gato ou mais. Alí, junto com Romerito, Nelsinho e Durval, Magrão levantou a taça do Brasil pelo e para o Sport. De quebra, uma libertadores. 

O resto do ano foi igual: Magrão ganha destaque por suas defesas fantásticas, e por ajudar mais do que qualquer atacante o time do Sport em seus jogos no brasileirão. A ascensão se consolida, e alí ele já era lenda. 



2009 veio. Um ano de opostos: novamente Magrão se destaca na libertadores. Uma defesa antológica num chute de Lucas Barrios, no qual tirou um chute do L. Outra assinatura de Magrão na história da meta do Sport. A crueldade veio contra o palmeiras, episódio que nenhum rubro-negro digno gosta de relembrar. Portanto, essa parte será sumariamente suprimida. Na série A, tem um dos melhores desempenhos de sua história com a camisa do Sport, se não o melhor, ofuscado pelo péssimo time e, paradoxalmente, pela enorme quantidade de gols sofridos pelo time naquele ano. 

2010 vem, junto com as críticas. Como mortal que é, e como qualquer jogador, a fase excelente de Magrão passa. Continua sendo o goleiro e ídolo da torcida, porém cada vez mais contestado. 2011, apesar do acesso, e principalmente 2012 iniciam a temporada de caça à magrão. Tudo, agora, vira motivo para negativar a figura de Magrão. Magrão é passivo demais para ser capitão. Magrão sempre vai para entrevista com ar de derrotado (apesar de poucos não perceberem que ele é o único que se prontifica a ir, que tem hombridade para tal); Magrão pouco fala. Magrão é crente (sim, teve quem falasse isso). Quando não se sabe em que atirar, se atira para todos os lados, na esperança de acertar. 

Todos erraram. 

Eis que no presente ano Magrão ressurge. Novamente (perdoe a redundância útil). Tal como outrora, o time não inspira desconfiança. Tal como outrora, contestado por parte da torcida, que insiste em reparar o irreparável, amparados pela incerteza do incerto, Saulo; promissor, mais que, ainda, é apenas promissor, se torna, em parte unanimidade para a torcida que insiste em culpar o que tem menos culpa: o goleiro, tal como Galeano nos diz em seu belo livro Futebol ao sol e sombra, é herói e, em questão de segundo, vilão. 

Não nessa noite.  


Com uma iluminação concedida a poucos, Magrão vai para a meta, após o término do jogo, fazer o que todo o time não fez: dar o jogo ao Sport. 

Pega um. 

Pega dois. 

Leva o terceiro gol, como quem pretende dar requintes de crueldade, ou maior emoção à torcida. 

E pega o terceiro. 

Novamente, Magrão acontece. O que é inédito, é que depois de muito tempo ele é reconhecido por isso. Só o trabalho é premiado, e só quem tem a sina de ser uma lenda é contemplado pelos deuses do futebol. 

Costumam dizer que Magrão é um mito. Entretanto, não o é. Não é de outro planeta. É humano, e onde reside o erro da natureza humana, reside a crença de que Magrão supera qualquer condição humana. Não pelas leis da natureza ou da ciência, mas pelas leis do futebol, muito mais profundas, complexas, e sinceras.

 E está acima da condição de mito, por que tal como Perseu ou Ulisses, desafia tudo que é mítico e previamente escrito, para escrever seu próprio destino.  

Que, para a nossa sorte, é também o destino do Sport.

Caetano Bezerra

Um comentário:

  1. Citando-lhe:
    "Costumam dizer que Magrão é um mito. Entretanto, não o é. Não é de outro planeta. É humano, e onde reside o erro da natureza humana, reside a crença de que Magrão supera qualquer condição humana. Não pelas leis da natureza ou da ciência, mas pelas leis do futebol, muito mais profundas, complexas, e sinceras."

    Mostrou que tá poesiando demais futebolisticamente. Hahaha
    Caetano, vá escrever no "Crônicas da Ilha", globoesporte.com.

    Ah, Magrão é ídolo!

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