terça-feira, 29 de novembro de 2016

Amálgama



Poucas coisas possuem tanto poder de unir pessoas quanto o futebol. Difícil de mensurar ou conceituar (o que no fim seriam apenas palavras), contudo de percepção fácil.

É uma espécie de linha social, que a todos une. Apesar das rivalidades, apesar das diferenças. A empatia aqui une. É fácil se colocar numa situação trágica, se permitir querer uma situação de glória, um grito de gol.

Ali, naqueles segundos, todos se unem. Todos são um, e todos os ódios e diferenças mundanas, naquela pequena fração da história, se esvaem; naqueles segundos, sobre o concreto, o mundo é um lugar belo.

Aliás, dois termos seriam capazes de, de certo modo, definir o futebol: cotidiano e empatia. A camisa na rua, os amigos da firma que fazem apostas a cada rodada, a reclamação quando você quer ver o jogo quando querem ver a novela, ou simplesmente as ruas em dia de jogo. A todos une, pois é sempre presente, até os que ousam dizer dele não gostar.

Então, como não se ver refletido na dor que se passa em Chapecó? Como não nos imaginar guardando as lágrimas em nossos escudos? Como não se deixar abater?

Essa linha, que a todos une, é a paixão. Tão difícil de conceituar quanto fácil se perceber. Até por que, o que é um conceito senão uma convenção, e a paixão senão uma verdade?

Num dia cinza como esse, é de fazer chorar imaginar que não veremos Bruno Rangel, que não veremos o que seria a Chapecoense depois da sula. Que aquele jogador sempre especulado no seu clube não mais o será. De que uma família esperava três pontos numa mala, recebeu dor. Que uma cidade inteira teve parte importante de seu cotidiano arrebatada. Porém, isso ainda não é a empatia que falamos.

A verdadeira tristeza, aquela que corta fundo a carne, é de imaginar que a partir da madrugada de hoje, cada alegria da Chape será mais comedida. Que os momentos bons sempre os trará uma alegria de certo modo triste. De que os heróis de uma cidade agora serão lembranças. De que amanhã a criança não mais gritará gol, ou de que aquele tio das sociais não estourará os tímpanos de quem por perto estiver.

Isso por que a paixão pelo futebol nos une, pois é social, é coletiva e é, sobretudo, espiritual.

Hoje, a corrente que nos une, e que a todos à nossa volta atinge (por mais que, inocentemente, digam não querer), estremeceu. A todos atingiu. Nos abriu chagas.
Mas não se partirá.

Permanecerá lá e, como sempre costuma fazer (por mais que possa não parecer), nos unirá.

Hoje, a tristeza é verde. Amanhã, toda a alegria que tivermos também deverá ser. É nossa obrigação.

O futebol, esse amálgama.

Força, Chape!





segunda-feira, 18 de julho de 2016

Análise: a nocividade de Serginho no Sport em 8 imagens.

Foto: Ricardo Fernandes/DP


Já diria o sábio que "bom no bom" é muito fácil opinar sobre qualquer coisa, mas obviamente que isso não se aplica a Serginho, um jogador que marca gol, mas consegue mesmo assim ser o pior jogador em campo. Eis o titular do Sport. 

Sem querer converter quem acha que Serginho realmente pode trazer algo de positivo ao Sport (esses certamente embebidos pelo Tobismo que levou o Sport aos piores anos de sua história), mas aqui tentaremos expor a nocividade de Serginho ao coletivo do Sport, abrindo espaços e sacrificando companheiros. As conclusões ficam a gosto do freguês.

Bem, antes de tudo, se faz necessário explicar brevemente a marcação do Sport. O leão de Oswaldo marca em linha, mas a razão de o Sport dar tanto espaço como vimos ontem (mesmo quando vencia por 2x0) está na forma como o faz. O Sport não marca por zona, ou seja, não marca o espaço. Oswaldo utiliza em suas equipes a marcação por encaixes, onde não se marca o espaço: o marcador acompanha alguém, vai à caça, abrindo o espaço atrás, diferente da marcação por zona, em que o adversário cai na marcação, tem espaço reduzido pela ocupação dos atletas, sendo um erro de passe mais possível. 

Visto isso, vamos lá. 

Juro que procurei mais minutos de Serginho, mas o material coletado no primeiro tempo foi mais do que suficiente. O que desde já indica a gravidade da situação.


No primeiro frame, vemos a marcação por encaixe individual de Oswaldo: três defensores correm para tomar a bola, em campo defensivo, e abrirão espaço. Vamos à sequência do lance.


O que ocorre em seguida é muito comum: após errar o bote, Serginho desiste da marcação e caminha, ficando estático até o fim do lance. Rithely, que joga no sacrifício há algumas rodadas, sobre o espaço deixado pelo outro volante da equipe, que também deveria proteger a zaga. Percebam que por causa do sistema de marcação, Ronaldo também sai da zaga, desorganizando a defesa e abrindo espaço pra Luan. A jogada termina com a bola na trave de atacante gremista. 



Oswaldo tenta que Serginho seja um box-to-box, meio-campista que vai de área a área (como João Paulo com Milton Mendes). Aqui, Serginho ~construtor~ erra o passe, apesar de ter opções mais fáceis. Errará muitos mais na partida, mas observem a postura dele quando a equipe toma o contra-ataque: 


Próximo ao juiz, vemos Serginho caminhando novamente, após um contra-ataque gerado por um erro de passe seu. No alto da tela, Rithely vai, sozinho, cobrir o espaço. Jajá (ou Maicon?) lançará Everton, que sairia de cara pro gol, caso não errasse o domínio do lançamento. Descaso absoluto com o jogo coletivo.

Outra caminhada do camisa 8 em contra-ataque. Novamente, apenas Rithely à frente da zaga. Grêmio finaliza a jogada: 


Outro lance igual, com Rithely mais uma vez cobrindo o espaço dado por Serginho. Finalização perigosa do gremista de fora da área (portanto à frente da zaga, onde Serginho deveria estar) por pouco não engana Magrão: 


Por fim, outra jogada bem característica de Serginho: a desistência da marcação. Aqui, não há contra-ataque gremista: o Sport está todo em seu campo, alinhado e marcando o Grêmio, com superioridade numérica: 


O grêmio na imagem acima acha facilmente a entrelinha do Sport, e criará espaço. Giuliano passa pelo lado de Serginho, caindo em seu setor. Vejamos sua movimentação:


Aqui, dois gremistas entram pelo lado de Serginho, sem dificuldade alguma. Não foi tentado nenhum desarme, e o camisa 8 acompanha à distância, literalmente olhando. Rithely mais uma vez vai para o lado em que Serginho está, cobrindo o buraco deixado pelo outro volante da equipe, mesmo ele também estando no campo de defesa. 

Creio que ficou evidenciado não só o meu ponto de vista, mas o de muitos da torcida do Sport. Não há perseguição, há apenas constatações que se arrastam ao longo do ano. Falta de compromisso tático, péssimos fundamentos, e desdém com a marcação. Esse é o Serginho real, que compromete a defesa, deixando a zaga exposta, e compromete Rithely, que há algumas rodadas entra em campo sem estar 100% e mesmo assim joga por dois volantes. E olhe que nem falamos que nessa mesma partida ele deu uma assistência pra Geromel no primeiro gol gremista e que perdeu o combate aéreo que resultou no segundo gol, também de Geromel, que igualou o placar.

Não se pode isentar Oswaldo de Oliveira nesse aspecto, tendo em vista que é ele o responsável pela arrumação tática de equipe, mas opta por deixar intocável um jogador que compromete o time taticamente à várias rodadas. Não cabe o argumento de falta de elenco, tendo em vista a presença de volantes superiores a ele no elenco, como Neto e Mancha, e na base, como o promissor Thalysson. 

Vejamos o destino do Sport nesse campeonato, sempre atentos para o fato de que o mesmo estará condicionado à presença de Serginho no time titular. 

Lances da partida: 


segunda-feira, 4 de abril de 2016

Análise: o Sport é um conjunto de boas intenções mal executadas

Sempre ouço colegas torcedores afirmando que "o Sport não tem padrão de jogo" para criticar o mau futebol do time. Discordo frontalmente. O Sport de Falcão tem um padrão de jogo claro, porém pessimamente idealizado, treinado e, consequentemente, executado. Explico. 

É visível que o time possui alguns conceitos claros, dedo de Falcão: marcação no campo adversário, agressiva, superioridade numérica no campo adversário, verticalidade no passe. Todos conceitos modernos, mas executadas de um modo tão equivocado que fazem com que as boas ideias de Falcão resultem num futebol lamentável. 

Para explicar melhor, usarei duas fotos do amigo Caio Moura (@Caio_MN87), tiradas na partida contra o CRB na ilha no último sábado, 02/04: uma que ilustra bem a fase defensiva do time, a outra, a ofensiva. Pode parecer pouco usar uma imagem congelada para analisar o desempenho de um time, mas o torcedor mais atento perceberá, decerto, os padrões que se repetem jogo após jogo. 

FASE DEFENSIVA 

Como já dito acima, Falcão tem um ideia clara de como se defender: agressividade, sempre indo à caça e tentando o bote, marcar no campo adversário. Entretanto o que se vê é um time que abre espaços e está sempre em desvantagem numérica em qualquer setor do campo. Vejamos a imagem abaixo: 


Um dos principais problemas defensivos da equipe idealizada por falcão se encontra acima: a linha defensiva é completamente exposta; raramente há um linha auxiliar para fechar o espaço adversário no último terço, protegendo a zaga. Desse modo, o adversário ganha espaço para evoluir. 

O que agrava e torna o time ainda mais vulnerável, porém, é o estilo de marcação empregado por Falcão. Se antes era por zona, onde se armava o time para o adversário cair na marcação, com linhas compactadas, não dando espaço para o mesmo, agora a marcação é agressiva: se vai à caça de quem possui a posse de bola, e num time sem solidariedade defensiva isso se mostra um erro. Abre-se um espaço de onde o defensor parte e o adversário, sempre em superioridade numérica, avança. Daí o tiro sai pela culatra: ao invés de roubar a bola rapidamente, o adversário chega facilmente na área do Sport pelos espaços dados pelo próprio time. 

Outra falha na imagem abaixo: 


A cena acima é frequente: volantes cobrindo laterais e auxiliando na marcação naquele setor, abandonando o meio-campo. A cobertura dos laterais pelo volante não cabe no jogo moderno, por implicar necessariamente no abandono do meio campo. É só se fazer um pergunta simples: se o volante vai marcar na lateral, quem está marcando o meio? A resposta: ninguém. O meio é completamente livre no Sport, o que explica as fáceis tabelas dos adversários, saída lenta para o ataque, e 2ª bola (o rebote) sempre do adversário.

Então, quem deveria auxiliar na marcação pelas pontas? Os extremas da equipe. Os pontas ou meias extremos da equipem não só podem, como devem ajudar na marcação dos laterais. Avançando o adversário com pontas e laterais, é suicídio tático deixá-los no 2x1 com o seu lateral, ou abrir espaço no meio, deslocando o volante para aquela marcação. Falcão não incumbe seus comandos dessa tarefa tática, ficando os mesmos, por vezes, parados na zona de ataque adversária, já presos na marcação. 

FASE OFENSIVA

Outra vez, é possível ver os ótimos conceitos que Falcão deseja implantar e consegue, porém de forma equivocada: Presença no campo adversário, verticalidade, e velocidade. Na prática, um time que possui a posse de bola, mas que por ser estático e está sempre de costas pro gol, sem aproximação, se coloca sempre na zona morta do campo, pouco produzindo enquanto tem a bola. 


A cena acima é frequente: cinco ou mais jogadores rubro-negros se enfiam entre os zagueiros para, teoricamente, dominar o campo de ataque. O resultado prático é diverso, com os jogadores se prendendo na marcação adversária e sempre de costas para o gol, distante de quem possui a posse de bola. Como visto acima, todos estão marcados, e pouco se preocupam em se aproximar de Rithely. Inexistem tabelas e triangulações, e o time nunca consegue avançar em velocidade vindo de trás, pois todos estão no campo ofensivo, facilmente marcados. 

Aqui, um dos malefícios de ter pontas que não voltam para marcar é demonstrado. Como eles nunca estão atrás, a transição do time é lenta. O ponta sempre recebe de costas, e não evolui com o time, pois sempre breca para buscar o pivô. Como o time não faz triangulações, não havendo geralmente mais de uma opção de passe para quem possui a bola, os avanços se resumem a corridas em linha reta pelos laterais e pontas, com pouca variedade ofensiva, pois já caem facilmente na marcação. 

O que ocorre quando um time avança 5-6 jogadores, todos de costas pro gol e distante de quem detêm a posse de bola? A falta de alternativas de passe resulta em chutões e lançamentos que, com o adversário possuindo o controle total da marcação, significa posse de bola perdida e contra-ataque cedido, tudo isso num time que possui pouca solidariedade defensiva e que dá amplo espaço pelo meio. 

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Entretanto, o que faz o Sport conseguir seus resultados? A individualidade. O poder de organização e precisão no bote de Rithely, a boa contribuição ofensiva de Renê nessa temporada, a velocidade e habilidade de Lenis, a presença de área de Túlio de Melo, a solidez de Durval e a segurança de Danilo Fernandes. Coletivamente, o Sport de Falcão é um desastre anunciado. Uma gama enorme de erros que possivelmente não serão corrigidos já que (e quem já ouviu as coletivas de Falcão bem sabe) o treinador da equipe não os considera erros. 

Resta saber se a direção irá se apoiar em resultados de clássicos até o anunciado desastre acontecer na competição mais importante do ano ou, de modo oposto, será preventiva e levará o bom elenco atual a alcançar voos mais altos no nacional. 


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Pela geral

Foto: globoesporte.com

Futebol é coisa séria.

A partir do momento que 20, 30 mil pessoas vão a um estádio para se embeber daquela atmosfera de "loucura, psicopatia e caos"(cc @impedimento), qualquer cidadão com o mínimo de juízo na cabeça não só pode, como deve parar e dizer "opa, calma lá, isso é importante".

Pois é, senhores, futebol é importante.

Você sai pra ver um jogo às 22:00 horas e volta pra casa no bacurau, tendo que estar de pé pra labutar no dia seguinte. Você briga com a mulher, come espetinho assado sabe-se lá quando, você estraçalha suas cordas vocais, você se indigna com uma derrota que já previa. Como se chamaria isso?

Não é paixão, pois paixão é algo bem mais lógico e racional. Portanto, não brinquemos com isso. Não brinquemos, presidente.

Se antes o futebol sofria com o caciquismos dos dirigentes folclóricos, fumando charuto, tomando whisky, tocando os clubes de uma forma totalmente irresponsável em prol do universo, da mística do futebol, daquela atmosfera, hoje temos o extremo oposto disso. Bem, isso é o Sport.

Dirigente que tratam os clubes com frieza, como um produto a ser vendido, um rótulo desprovido de significado, uma mera demanda de mercado sem substância. A lógica comercial e unicamente comercial (esse o real problema) chegou no sport como uma manada de bois desgovernada, atropelando tudo em prol de um suposto bom-mocismo que há tempos vem desbocando num higienismo do Sport Club do Recife.

Bem, vamos lá.

Bandeira da diretoria atual do Sport, aumentar o quadro de sócios do clube há tempos tem descambado para uma perigosa obsessão, que vem tirando do torcedor a característica de torcedor para ser apenas o consumidor. E isso é plenamente observável em como o torcedor do Sport vem se comportando em estádio nos últimos tempos.

Porém, quem dera essa fosse o problema.

A entrevista concedida hoje, 23/02/2016 mostra, tão claro quanto água, que o clube está nas mãos de pessoas que sequer sabem o que é futebol. O que é aquilo que escrevemos no começo do texto. E isso, senhores, é bastante grave.

A estratégia do clube para captar sócios é clara: você é obrigado a ser, caso queira exercer o seu direito moral de ver seu clube em campo regularmente. Obrigado, pois se deu uma elevação absurda de preços de ingressos, sendo a única via para conseguir ingressos mais baratos (na verdade, pelo mesmo valor que se pagava antes) se tornar sócio torcedor, no mínimo. E daí, depois de compelido a se tornar sócio, essa declaração: "e essa evolução não foi de sócios torcedores, que na realidade não são sócios. Esses apenas compram um programa para ter benefício no ingresso, mas não votam nem têm direitos estatutários". Ora, então o cabra que é praticamente obrigado a se tornar SÓCIO torcedor sequer é sócio? Caso o indivíduo simplesmente não possa pagar R$ 40,00/mês + ingressos, ele não é sócio?

Não é de se estranhar a abordagem. Afinal, justificando-se na luta contra as organizadas, a diretoria do Sport há tempos vem descambando para um higienismo cruel, onde o pobre não tem espaço. O ápice foi em Sport x Fortaleza, com ingressos para a Geral da Sede, tradicional setor popular do clube custavam R$ 80,00 (OITENTA) reais.

Aparentemente, é aceitável expulsar pobre do estádio, desde que se expulse organizada. Foi podado do trabalhador, do cara humilde que rala todo dia o direito de ir à ilha  ver Matheus Ferraz todo perdido no miolo de zaga e ainda querer voltar na próxima partida. Por que isso é futebol.

Sob nenhuma hipótese é aceitável que se tire pobre do estádio com a desculpa de combater a organizada. Até por que mesmo com ingressos absurdos, ela sempre estará lá. Quem não está é o torcedor. E é simplesmente execrável que se ache isso ok.

Entretanto, o que esperar de uma elite pensante rubro-negra, tomando as palavras de Luciano Bivar, que acha que pode ditar como a torcida grita SEU canto de guerra?

O que se vê hoje na ilha é um retrato melancólico do que ora foi. Vazia, sem alma, e sonolenta.

Então, devolvam o Sport ao povo. O Sport não é do presidente, o Sport não é meu, o Sport não é dos sócios.

O Sport é de qualquer um que vista essa camisa e bate no peito pra dizer que é Sport. Não brinque com isso.

Devolvam o Sport ao povo, ou o povo o tomará.

O Sport é de todos.




quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A Primeira Liga e a revolução que não é



Imagem: superesportes mg

Desde que os alemães passaram com tudo por cima da seleção brasileira em pleno Mineirão na Copa do Mundo de 2014, todos perceberam que o futebol brasileiro tinha problemas. Porém, não vamos nos ater aqui ao fato de ter sido necessário que a canarinha tomasse 7 (SETE) gols em casa em um mundial para que fosse notado que algo precisava mudar. Esse não é o objetivo do presente texto. O fato é que desde esse evento, crônica e torcida se engajaram numa luta quixotesca, onde em cada esquina, em cada moinho, se encontrava um grande entrave ao desenvolvimento do futebol, que precisava ser combatido. 

Pois bem. Aparentemente, a nova arma nessa cruzada quixotesca é a tal Primeira Liga, surgida no seio da Liga Sul-Minas-Rio, que apesar de emular vários vícios que já existem no futebol, ganhou tons revolucionários nos últimos dias. Tomado pela suspeita que me surge sempre que algo é dado como grande novidade que salvará a todos, vários questionamentos vieram à mente, de modo que não me parece nada revolucionária a tal da primeira liga. Expliquemos. 

A Primeira Liga é elitista. O único critério para a participação na Liga é a grife: se você é grande no seu estado, é convidado a participar do certame. Ora, falamos aqui de um modelo que já nasceu viciado, tendo em vista que inexistiu diálogo dentro do seu próprio estado, com os clubes menores. Assim, de cara já se vê prejudicado o maior mérito da Liga: o rompimento com as federações. Respondamos a pergunta: quem rompeu com as federações realmente precisava das federações? O Flamengo precisa da FERJ? Ora, não há nada revolucionário em se fazer algo simplesmente por que se pode fazer. 

Isso nos leva a outro ponto: esse rompimento dos grandes com as federações não mostrou, em nenhum momento, interesse em libertar quem realmente se vê amarrado às federações: os pequenos clubes. Aprisionados por uma espécie de síndrome de Estocolmo, são tidos por vilões por alguns insensíveis, por se unirem sempre às federações em momentos de conflito. Ora, são clubes que apenas sobrevivem (e apenas sobreviver é algo bem grave) dentro do modelo atual. Grande parte dos clubes do Brasil, a imensa maioria, só tem calendário até maio. Os atletas são profissionais do futebol por cinco meses, e são desempregados nesse meio por sete. O que é oferecido a esses clubes? Novamente, os restos dos grandes. 

Por que, amigos, é muito fácil se rebelar quando SE PODE. Quando, na pior das hipóteses, um time que acabou de subir à série A ganha R$ 20 milhões. Ora, há uma barreira a ser ultrapassada aqui, que é completamente desprezada. E tem relação direta com o fracasso de nosso futebol. Porém, estamos saindo do tema. 

Voltemos. 

O que a Primeira Liga tem a oferecer a quem não é do mesmo grupinho de sempre? Por que a simples presença de Flamengo de Fluminense nessa liga (o que parece ser mais necessidade do que opção) já é grave indício de nova subordinação. É das garras do futebol do Rio e São Paulo que os clubes devem se libertar. Um clube que apenas de cotas de tevê recebe o valor de R$ 250 MI não se liberta de nada, pois nunca esteve preso. A presença de clubes do Rio, como que para legitimar o torneio, macula qualquer intenção revolucionária do mesmo, pois é contra a necessidade desses clubes que os demais devem se unir, pois um campeonato com 5 clubes é inviável, porém um com 15 integrantes é plenamente possível. Deve-se fazer com que os milionários clubes do sudeste do país sintam necessidade dos demais, e não o contrário. É disso que carece o espírito da Primeira Liga. 

Então, creio que seja necessário bem mais do que a Primeira Liga apresenta para que a mesma seja considerada algo transformador do futebol brasileiro, como grande parte da imprensa quer vender. Que se dialogue internamente. Que se preocupe com os menores. Que o debate passe do Espírito Santo e dialogue com a verdadeira Primeira Liga, a do Nordeste, como bem disse Cássio Zirpoli.

Até lá, é apenas vento. 

E vento até destrói, mas não muda.